Por Glailson Santos
Na esteira do escândalo do mensalão a mídia
burguesa tem feito um grande alarde em relação à atuação do relator do
processo, o Ministro Joaquim Barbosa. Mas quem é este magistrado negro que
ousou condenar o alto escalão petista? Seria ele o homem que precisamos para
moralizar o país?
Consciência Negra x Mídia Burguesa
No mês de novembro comemoramos o dia da consciência
negra. Uma data dedicada à reflexão sobre as origens históricas e a atual
situação de exploração e opressão a qual estão submetidos milhões de negros e
negras no Brasil e no mundo. A data foi escolhida em referência à morte do
líder quilombola Zumbi dos Palmares, assassinado por forças portuguesas em 20
de novembro de 1695. Nesse sentido, é interessante notar como a mídia burguesa
vem retratando negros e negras na atualidade. Uma análise que nos oferece
valiosos elementos sobre o quanto o capitalismo tem sido incapaz de superar o
abismo social que insiste em segregar brancos e negros passados três séculos da
sangrenta destruição de Palmares.
Dois programas televisivos, atualmente no ar na
principal emissora do país, nos dão uma ideia bem representativa da forma como
a mídia burguesa e os poderosos costumam encarar o problema da segregação
racial. O primeiro é o folhetim televisivo "Lado a Lado", que ao
resgatar o papel histórico das maltas e capoeiras é celebrado pela grande mídia
por abordar a questão do racismo na sociedade carioca do inicio do século XX.
No entanto, vemos esse discurso politicamente
correto, e que é usado para agregar valor ao produto global, desabar como um
castelo de cartas quando voltamos o olhar ao segundo programa. Um grotesco
quadro, pretensamente humorístico, protagonizado pelo ator Rodrigo Sant'anna no
Programa Zorra Total. Esse humorista, atrás de próteses e maquiagens que
flagrantemente buscam caçoar de características físicas do povo negro, dispara
tiradas racistas como esta: “durante a enchente não pude ficar sem minha palha
de aço, daí corri atrás para pegá-la e quando vi, eram os cabelos da minha
filha”.
O exemplo Obama e as frustrações do movimento negro
internacional
Mas não é só através de seus programas televisivos
que a mídia burguesa e os poderosos expõem sua hipocrisia sobre a questão
racial e tentam manipular a opinião pública. Tão eficiente quanto conferir um discurso
politicamente correto em seus produtos televisivos, ou quando faz o racismo
mais odioso penetrar nas casas de milhões de brasileiros sob o disfarce de uma
“inocente” piada, a burguesia é especialista em usar os anseios e expectativas
do movimento negro contra o próprio movimento. Isso aconteceu com o fenômeno em
relação à eleição de Barack Obama, o primeiro presidente negro da história dos
EUA, e estamos presenciando novamente com a campanha em torno de Joaquim
Barbosa.
No recente julgamento do mensalão, assistimos um grande bombardeio da mídia em relação à
atuação do Relator do Processo, o Ministro Joaquim Barbosa, que acaba de ser eleito
Presidente da mais alta corte do país com sua posse marcada convenientemente
para este mês de novembro, o mês da Consciência Negra. Negro, de origem pobre,
descrito quase sempre como um homem rigoroso e integro, Barbosa é apontado por
muitos como responsável pela condenação de boa parte dos envolvidos no Mensalão.
Barbosa é aclamado pela mídia burguesa como um
legitimo herói brasileiro, ao ponto de já estar em curso uma campanha na
internet para que ele concorra ao cargo de presidente da república nas eleições
de 2014. Nada disso seria extraordinário se tal empolgação não atingisse
importantes setores de ativistas do movimento negro e da esquerda que depositam
grandes expectativas em relação à “retidão de caráter” que atribuem ao
ministro.
Diante desse fenômeno, mais do que nunca, precisamos
recordar que o fato de termos um negro como Presidente do Supremo Tribunal
Federal, ou mesmo como Presidente da República, está muito longe de significar
o fim, ou mesmo um avanço significativo em relação ao racismo e a miséria que
assolam os trabalhadores negros.
O exemplo de Obama, nos EUA, demonstrou
veementemente essa dura verdade, como fica explicito na declaração de Angela
Davis, histórica militante dos Panteras Negras e do movimento por direitos
civis dos negros norte-americanos, em uma recente entrevista ao Jornal Página
12: “ [...] é triste dizer, mas as coisas são piores com um presidente
afroamericano na Casa Branca. Essa é a ironia. Porque há meio século era
impensável que um negro chegasse, algum dia à presidência dos EUA. Hoje, é
possível. Mas também é preciso dizer que ninguém, na Casa Branca, hoje, está
preocupado com o fato de que há um milhão de negros nas prisões
norte-americanas.”
Lições
Históricas do Movimento Negro
A capacidade de colocar um ponto final no racismo e
em todas as formas de opressão e exploração que vitimam, sobretudo, os
trabalhadores, os desempregados e a juventude pobre não é uma questão de
caráter, mas uma questão de romper a lógica de dominação e exploração imposta
pelo sistema capitalista.
A razão para que não seja possível eliminar o
racismo sob a égide capitalista é simples, ele é lucrativo. Através de
ideologias opressoras como o racismo, o capital impõe um nível de exploração
ainda maior a determinados setores da classe trabalhadora que lhe permite
aumentar seus lucros. E em uma sociedade pautada pela busca desenfreada por
lucros cada vez maiores, ideologias como o racismo são uma parte inerente do
sistema de exploração/opressão dos trabalhadores.
Joaquim Barbosa, que chegou ao posto de Ministro do
STF por indicação de Lula e é eleitor declarado do PT, longe de se opor ao
sistema é um defensor da ordem capitalista no sacrossanto “Estado Democrático
de Direito”. Como bem sabem os movimentos sociais e sindicatos que enfrentam
cotidianamente a ameaça da criminalização e das liminares que na pratica
atentam contra o direito de organização e contra as lutas dos trabalhadores.
O poder judiciário, no qual o ministro ocupa um
papel de destaque, é um dos pilares do sistema de dominação dos poderosos, tão
maculado pela corrupção quanto os demais poderes. Prova disso é o escândalo dos
Bandidos de Toga no final do ano passado, episódio no qual a corregedora do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, denunciou o desvio de R$ 855
milhões em movimentações bancárias “atípicas” que teriam beneficiado
magistrados e servidores do judiciário entre 2000 e 2010.
Os negros quilombolas que no século XVII ergueram
na Serra da Barriga um estado independente e enfrentaram os capitães do mato,
quase sempre negros como eles próprios, já sabiam que para lutar de forma
consequente contra o racismo e a exploração é preciso bem mais do que negros
respeitáveis acolhidos no seio da elite branca. O que precisamos é de um
movimento negro organizado e comprometido com as lutas de todos os
trabalhadores e setores explorados (sejam negros, indígenas ou brancos).
Precisamos de um movimento disposto a subverter a
ordem imposta pelos poderosos, pois enquanto o capital segue aplicando a velha
máxima burguesa “Dividir para Conquistar”, colocando trabalhadores brancos
contra trabalhadores negros, trabalhadores contra trabalhadoras e trabalhadores
heterossexuais contra seus companheiros homossexuais, nós reafirmamos o chamado
de Marx: “Trabalhadores do mundo uni-vos!”, para que juntos, explorados de
todas as raças, sexos, crenças, nacionalidades e orientações sexuais
construamos um mundo livre de todas as formas de opressão e exploração, um
mundo socialista!
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