
Por Glailson Santos
Todo o país tem acompanhado o julgamento do famigerado Mensalão Petista. Não restam dúvidas em relação ao escandaloso esquema de compra de votos de parlamentares para aprovação projetos de interesse do governo federal durante o mandato do presidente Lula, um episódio que lembra bastante a aprovação da emenda da reeleição durante o primeiro mandato de FHC. A prisão exemplar de figurões do alto escalão petista causa comoção por tratar-se de uma exceção em um país onde notórios corruptos como José Sarney, Jader Barbalho e Paulo Maluf permanecem indefinidamente longe do alcance da justiça.No rastro de toda repercussão deste episódio a grande mídia tem se esforçado em construir a imagem do magistrado negro, Joaquim Barbosa, como a de um autêntico “herói da vida real”, não faltam posts e memes que se proliferam na rede comparando o relator do processo do Mensalão aos heróis consagrados no imaginário popular como Batman e Superman. Mais recentemente uma HQ de uma página com a biografia do magistrado circula pelo Face com o Título de “Real Superhero”.
Mas até que ponto essa comparação é justa e o que ela tem a nos dizer sobre a situação política do país e sobre o próprio significado da figura do herói na sociedade contemporânea?
O conveniente mito messiânico do herói está fortemente arraigado no imaginário popular. É realmente tentador imaginar que ao invés de termos de arregaçar as mangas e partir para o enfrentamento direto de tudo que há de errado em nossa sociedade, bastaria que depositássemos nossa confiança em indivíduos extraordinários e com as qualidades necessárias para nos guiar até um mundo mais justo e seguro. É nesta ideia que se fundamenta o mito do herói e é nela também que se esconde o risco do endeusamento de figuras como Joaquim Barbosa, risco, aliás, muito bem exemplificado pela própria experiência frustrada com Lula, o PT e centenas de outros dirigentes sindicais e dos movimentos populares, que uma vez que tenham chegado ao poder, reproduzem desgraçadamente as mesmas práticas repugnantes que denunciaram e até chegaram a combater por anos a fio.
Mas se depositar esperanças em “legítimos heróis” já é perigoso, o que dizer daqueles que as depositam em indivíduos de índole duvidosa?
A origem humilde de Joaquim Barbosa e as dificuldades e preconceitos que ele, como negro, precisou superar para atingir o mais alto posto do judiciário do país são inquestionáveis. Porém, serão suficientes para assegurar seu caráter? Seu compromisso com os interesses do povo trabalhador em detrimento dos interesses das elites ou mesmo seu comprometimento com as lutas do movimento negro?
Recentes denúncias feitas pelo conselho nacional da OAB questionam a arbitrária decisão de Barbosa de trocar um dos juízes responsáveis pelos processos do Mensalão por Bruno André Silva Ribeiro, que é filho de um ex-deputado distrital do PSDB. A este questionamento somam-se os fatos de que, em plena polêmica do Mensalão, Barbosa participou de solenidades a convite do Governador de Minas Gerais, onde pousou para fotos ao lado do pré-candidato do PSDB a presidência da república, Aécio Neves. Além disso, recomenda-se alguma cautela àqueles que se arvoram em saudar a figura do ministro como um verdadeiro “Salvador da Pátria” pelo fato de Barbosa estar figurando com freqüência em manchetes extremamente favoráveis na capa da revista Veja, uma reconhecida porta-voz do que há de mais repulsivo e retrogrado na política brasileira.
É importante lembrar que eventualmente até mesmo Hitler e Estalin, dois dos maiores vilões da história, também poderiam reivindicar suas origens humilde para obter a simpatia de amplas massas empobrecidas em seus respectivos países e mergulhar suas nações em mares profundos de violência, arbitrariedade e desigualdade – injustiça.
Quanto a negritude de Barbosa, é preciso lembrar também que outros negros emprestaram suas faces amigáveis para se colocarem à frente da aplicação de políticas que mantiveram e mantêm a miséria e a exploração da população pobre em geral e dos negros pobres em particular, a exemplo dos capitães do mato que no passado garantiram a continuidade da exploração de seu próprio povo a exemplo de Papa Doc, no Haiti, e Barack Obama, nos EUA.
Ainda em 2012 veio à tona o escândalo dos Bandidos de Toga, episódio no qual a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, denunciou o desvio de R$ 855 milhões em movimentações bancárias “atípicas” que teriam beneficiado magistrados e servidores do judiciário entre 2000 e 2010. Barbosa, é simplesmente o chefe do Judiciário, do mesmo modo, Lula foi o chefe do Executivo que ficou incólume ao mensalão apesar do óbvio envolvimento.
Tal qual Lula, há um cordão de isolamento para manter o herói imaculado, mas os fatos não mentem: longe de se opor ao sistema, Barbosa é um defensor da ordem capitalista no sacrossanto “Estado Democrático de Direito”. Como bem sabem os movimentos sociais e sindicatos que enfrentam cotidianamente a ameaça da criminalização e das liminares judiciais, o Poder Judiciário é um dos pilares do sistema de dominação dos poderosos, tão maculado pela corrupção quanto os demais poderes.
Não queremos aqui defender o fatalismo apático dos que julgam residir em uma abstrata “natureza humana egoísta” a origem das traições e capitulações dos supostos heróis da vida real ao longo da história. Longe disso, queremos apenas reafirmar a conclusão do materialismo dialético de que a história é feita por mulheres e homens, seres por definição capazes de refletir sobre a realidade e transformá-la. A única constante na história humana é a mudança, por isso podemos ser otimistas na medida em que compreendamos a dimensão dinâmica e coletiva das forças que movem a história e nossa responsabilidade sobre a construção de nosso próprio destino.
O gênio dos quadrinhos Alan Moore já demonstrou as conseqüências catastróficas de depositarmos nossas esperanças em supostos heróis na sua celebrada saga metalinguística Watchmen. Afinal, a superação das contradições de nossa sociedade só será possível como resultado da ação consciente de uma ampla parcela da população comprometida com a mudança e com a vigilância rigorosa e permanente de nossos próprios representantes e não como ação de uma meia dúzia de heróis iluminados.
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