12 de julho de 2013

Apenas Começamos...

Por Glailson dos Santos (Belém)

   Vivemos dias extraordinários. O importante movimento que todos temos acompanhado e que neste momento, apesar das históricas mobilizações do dia 11/07, parece recuar em várias cidades pelo país como parte do processo natural após conquistar importantes vitórias, demonstrou de forma clara a toda uma nova geração que vale muito a pena lutar. Esta lição não será esquecida facilmente. Contudo, como ocorre em qualquer situação, o novo não pode surgir sem trazer consigo elementos do velho e o importante avanço que demos até aqui traz também suas próprias contradições, que precisamos debater e superar de forma critica e consciente para avançar arrancando as vitórias que o movimento ainda exige.

   Nestes dias, em que todos estão mais dispostos a discutir política, tem sido comum ver muitos levantarem a bandeira da horizontalidade e da radicalização da democracia contra um suposto caráter autoritário da esquerda. É importante, então, refletir sobre essa questão que nos parece ter alguma relação com a ideologia individualista e a uma falsa noção de liberdade e democracia que é fortemente propagandeada pelas mesmas elites políticas e econômicas contra quem clamam as manifestações.

Sobre democracia, individualismo e coletividade...


   A ideologia capitalista eleva os interesses individuais acima dos coletivos e, portanto, coloca o individuo como protagonista inquestionável de todo processo histórico. Consequentemente, os capitalistas pregam uma noção deturpada de democracia que, em tese, garantiria uma “plena liberdade individual” como forma de compensar a sua confessa incapacidade de promover uma genuína igualdade entre as pessoas.

   O capitalismo diminui a liberdade humana reduzindo-a ao direito à propriedade privada e lhe conferindo a natureza mesquinha da luta pelo enriquecimento individual. Os capitalistas restringem a igualdade a uma abstrata e hipócrita "igualdade de oportunidades" e acabam admitindo como fato que a suposta liberdade de uma parcela da população deva conviver com a escravização, pela miséria, de outra parcela muito maior da humanidade. É assim que de forma cínica dizem promover a liberdade declarando que pobres e miseráveis são “livres” para escolher onde, como e quando e quanto trabalhar e que qualquer um, com esforço, capacidade e determinação, pode se dar bem e enriquecer.

   É importante lembrar que a democracia nasceu e se desenvolveu durante séculos excluindo a maioria pobre que não pagava imposto. Na visão “democrática” que imperou durante a maior parte da história humana eram excluídos da vida política as mulheres, os jovens, os analfabetos e os estrangeiros. A bem da verdade, a liberdade pregada pelos democratas burgueses nunca foi igual para todos.

   O fato, que a demagogia dos que se beneficiam com a ordem capitalista tenta ocultar, é que liberdade e igualdade são conceitos indissociáveis. Em uma sociedade baseada na exploração do trabalho, ninguém é livre. Pois não há liberdade possível entre desiguais, a menos que se considere como liberdade a liberdade de explorar ou ser explorado, de oprimir ou ser oprimido, de escravizar ou ser escravizado. A liberdade humana real só é possível com o fim da exploração capitalista.

   Assim, a democracia nos marcos capitalista não passa de uma farsa que busca tornar aceitável a exploração da grande maioria da humanidade por uma elite capitalista que é, ela própria, prisioneira de sua condição como exploradora, precisando manter um isolamento social, moral, físico e até emocional do restante da humanidade, apenas para garantir a manutenção de seus privilégios. A liberdade e a democracia de fato são possíveis com a destruição do capitalismo.

   Sob o domínio capitalista a liberdade é amplamente entendida como mero livre exercício da individualidade. É interessante notar que mesmo nos históricos protestos que varrem o país percebemos um certo culto à individualidade que é saudado por muitos como exemplo máximo de democracia. Cartazes individuais substituem as tradicionais faixas erguidas coletivamente. A aversão a qualquer comissão, representação e organizações surge também, mas não somente, como reflexo dessa visão individualista de liberdade e democracia. 


   É natural que ideias plantadas em nossas cabeças desde o berço nos conduzam a equívocos sobre os quais nem costumamos pensar, mas é importante que reflitamos sobre onde essas ideias nos levam ao nos manterem divididos mesmo quando é nossa intenção (e necessidade) unir todos aqueles que estão realmente de acordo com nossas reivindicações. Afinal, pensamento claro e senso critico sempre serão fundamentais ao sucesso definitivo de qualquer mobilização.


   A grande confusão ideológica que marca o início das massivas manifestações que questionam a ordem brutal, injusta e desigual imposta à humanidade por uma elite de privilegiados, não só no Brasil, como no mundo, é uma etapa que só pode ser superada por meio da experiência pratica. É no enfrentamento com as elites e as instituições que buscam manter a ordem com a qual estas manifestações se enfrentam que a juventude e os trabalhadores vão romper paulatinamente com as ideologias capitalistas que nos são impostas por todos os meios.


  As discussões e deliberações do movimento pelo Facebook, através de enquetes eletrônicas, método tão reivindicado por boa parte do movimento atual, por exemplo, é em si própria excludente, pois limita os debates àqueles que têm habilidade, condições materiais e tempo livre suficiente para acessar e interagir com esta ferramenta. Um movimento realmente democrático precisa, sim, incorporar as modernas ferramentas de comunicação, sem, contudo, abandonar por completo a experiência acumulada de organização daqueles que sempre estiveram a serviço das lutas dos setores mais explorados e oprimidos da sociedade.

Sobre o papel das direções e dos movimentos “sem direção”...


   A desconfiança demonstrada pela juventude que iniciou e impulsionou as históricas “jornadas de junho” é justa e progressiva, pois expressa a desilusão com supostos representantes que, através da farsa democrática dos capitalistas, são eleitos apenas para defender os interesses das elites. Essa desconfiança é importante porque expressa também em grande medida a desilusão com Dilma e o PT que se diziam representantes dos trabalhadores, mas uma vez no poder, seguem a mesma cartilha neoliberal do PSDB e demais partidos de direita. Porém, é importante compreender que não é possível existir movimento sem direção e que sem uma direção consequente, mesmo com toda disposição, podemos não ser capazes de atingir os objetivos que buscamos.

   Representar ou dirigir, não significa necessariamente impor. Dirigir pode significar também apontar o caminho, propor soluções. É natural que alguns movimentos surjam sem uma direção formal, mas isso não pode, nem deve, durar para sempre. Alguém precisa escrever os documentos, propor resoluções, sistematizar a memória dos acontecimentos, representar o movimento nas negociações, presidir as reuniões, falar em nome do movimento. No cotidiano alguém sempre acaba assumindo essas tarefas e, mesmo que de forma sutil e inconsciente, acaba por dirigir as coisas, sem que nada tenha sido discutido e decidido formalmente pelo conjunto do movimento.

   Desta forma pode ocorrer de uma direção acabar sendo sutilmente imposta e o democratismo acaba se convertendo em seu contrário, autoritarismo, ainda que oculto sob o frágil embuste de um "movimento sem direção". Por isso precisamos, sempre que possível, pautar a questão da direção e eleger formalmente nossos representantes, buscando mecanismos que promovam o controle dos representados sobre seus representantes como votações, plenárias periódicas, mandatos revogáveis, balanços periódicos e intensa vigilância.


   Afinal, a história não é uma marcha estática e predeterminada imposta a nós por um imperativo divino ou natural. A história é feita por mulheres e homens, seres por definição capazes de refletir sobre a realidade e transformá-la. A única constante na história humana é a mudança, por isso podemos ser otimistas na medida em que compreendamos a dimensão dinâmica e coletiva das forças que movem a história e nossa responsabilidade sobre a construção de nosso próprio destino.

   Felizmente a história nos ensina que em momentos como o que vivemos a consciência da população em geral avança acelerada, em saltos. A entrada da classe trabalhadora nas mobilizações que marcou em especial as mobilizações dos dias 27/06 e 11/07 demonstraram a disposição e viabilidade de unir trabalhadores e juventude para mudar de verdade o país, a exemplo do que já vinha ocorrendo em outras partes do mundo. Então, temos todos os motivos para ser otimistas em relação aos rumos que tomaremos e às novas conquistas que podemos alcançar.


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