Por Abel Ribeiro
Sociólogo e militante do PSTU
Para consolidar a república no Brasil, no fim do século XIX, criou-se uma bandeira de quatro cores e nela escreveu-se “ordem e progresso”. Militares, aristocratas, burgueses, comerciantes não pensaram nas palavras à toa: buscaram na filosofia positivista do “três estados” em moda na época, a síntese necessária para a recém-nascida “República Federativa do Brasil”.
Passados quase 125 anos, estou eu aqui escrevendo esta singela passagem, num momento em que a república vai sediar a copa do mundo de 2014, pois me veio a preocupação com o uso das palavras e seus efeitos para a consciência política dos brasileiros, principalmente quando se trata de usar as palavras para um determinado fim. Afinal, o Brasil caminha para a “ordem e o progresso”?
Vamos às frases de efeito: “É preciso reestabelecer a ordem”; “É necessário garantir o funcionamento das instituições democráticas”; “O Brasil está em pleno desenvolvimento econômico”; “Não podemos tolerar que vândalos e baderneiros ameacem a ‘ordem’ pública’”; “A inflação segue sob controle e a economia segue crescendo”. Pergunta-se: Que “ordem” é essa? Qual desenvolvimento? Pra quem cresce? A inflação para quem? Que instituições democráticas são essas?
2014, o ano que ainda não começou, precisa manter a “ordem” durante a copa
Dilma já anunciou que não vai tolerar manifestações que ameacem o bom andamento da copa. Detalhe: andam comentando por aí que ela não vai fazer discurso na abertura. Se é verdade que no Brasil o ano começa depois do carnaval, este começará na copa. O jogo governos federal e estaduais X movimentos sociais e de massas já tem data marcada e a troca de palavras e ameaças já começou. Irão jogar o poder judiciário, a polícia, o exército, os meios de comunicação da massa de um lado (“ordem”) e do outro, os movimentos, em todas as esferas, que querem um Brasil mais justo igualitário (“desordem”).
E por falar em copa do mundo, uma contradição ganhou destaque: a maioria absoluta dos brasileiros vai assistir aos jogos da copa e da seleção pela televisão. O preço dos ingressos durante a copa custará entre R$ 60,00 (menor tarifa no pior lugar) e R$ 1.980,00, (lugares top), isso dependendo do jogo e da fase. E as hospedagens? E serviços como alimentação? Isso é “progresso”? Que diria o Pelé e seus comentários... Está claro, muito claro mesmo. Será a copa dos ricos e para inglês vê. Mesmo a emergente “Classe C”, tão endividada e propagandeada pelo governo federal verá os jogos da copa na sua LCD (parcelada), ou no próprio trabalho, afinal nem todo mundo terá folga.
Atenção!
Senhoras, senhores e tele espectadores! Preparem suas TVs, pois além da copa, verão a continuidade da pobreza como (des)ordem, do narcotráfico como progresso, da violência como desenvolvimento, da morte de negros e negras pobres da periferia em nome do combate a criminalidade. A venda de aeroportos, portos, estádios e petróleo vão aparecer como “desenvolvimento”. Esperem o horário eleitoral “gratuito”.
A elite é a que mais provoca a desordem, ou alguém acredita que os governos estão preocupados com a ordem? Perguntas que não querem calar: As UPP’s acabarão com a violência e o narcotráfico no Rio de Janeiro? O metrô de São Paulo vai diminuir sua superlotação durante a copa? Os hospitais públicos brasileiros terão filas menores durante a copa com o “mais médicos”? O salário dos professores terão aumentos durante a copa e as escolas serão reformadas de acordo com os estádios padrão Fifa? A “desordem” continuará ou não dentro da “ordem”?
Tive uma ideia! Vamos criar uma campanha de cobate às drogas, a maior de todas as drogas: o sistema social em que vivemos, o capitalismo, que gasta 30 bilhões para enriquecer algumas dúzias de empresários enquanto milhões de brasileiros continuam abaixo da linha da pobreza.
Viva o progresso!
A posição que ocupamos determina de forma decisiva nossas ideias. Para a maioria dos políticos, as manifestações de junho de 2013 foi desordem, bagunça e vandalismo. As manifestações multitudinárias que tomaram as ruas do país instalaram para eles o caos, a desordem e a baderna, embora se fale das “vozes das ruas”. Na verdade as manifestações de junho questionaram essa ordem estabelecida, a ordem dos ricos, e mesmo de forma inconsciente buscaram uma nova ordem, onde os humanos sejam tratados como humanos. Não está claro ainda para a maioria dos milhões que saíram as ruas, que modelo social buscar, mas está claro que o atual não é.
No país do carnaval, muita coisa vai mal, nos hospitais, nas escolas, nos transportes, há sujeira pra todo lado.
O lado cômico da ordem política: presidenta, governadores, ministros, “autoridades publicas” de todo tipo e empresários andam em carro com vidro à prova de bala e seguranças contratados. Moram em condomínios de luxo com medo da ordem que eles mesmos defendem. Esse é o progresso deles, medo, porém proteção do mundo que eles criam e governam. Acham (isso muitas vezes parece cômico) que resolvem os problemas da violência colocando mais armas nas mãos dos policiais e aumentando o quantitativo operacional com helicópteros, coletes e viaturas. O problema da violência é social o resto é conversa fiada. Pergunto: A violência diminuiu nos últimos 30 anos Brasil?
Quem é mais vândalo: o estudante que quebra o vidro de um banco ou um político que devia milhões de dólares dos cofres públicos? Ora, ora... A corrupção é praticada por aqueles que condenam as manifestações de rua, aqueles que mandam a polícia bater e prender os que se lançam na luta por direitos. Vinte centavos para quem ganha salário mínimo é uma fortuna; Escolas publicas, gratuitas e de qualidade pra quem nelas e delas sobrevivem é uma necessidade; hospitais adequados, com médicos e condições adequadas é vida para a população pobre e carente. Vândalos, desordeiros, baderneiros defendem esse direito!?
Acorda desse pesadelo Brasil!
Constrói teu sonho sem medo, não há ordem sem progresso social verdadeiro. A ordem atual serve aos interesses daqueles que desorganizam a vida de milhões de trabalhadores desesperados por serviços públicos. Não queremos só televisão. Queremos saúde, educação e futebol. Essas eu escutei em junho nas ruas... “Brasil, vamos acordar o professor vale mais que o Neymar”, “Da copa, da copa, eu abro mão, eu quero mais dinheiro pra saúde e educação”. Novos junhos virão e você pode estar comigo exigindo o “impossível”.
No emblemático ano de 2014, ainda se completa 50 anos do golpe militar no Brasil. Não seria um progresso punir os torturadores e responsáveis por destruírem o sonho de um novo país sem miséria e desemprego que lutaram contra a ditadura? Foi no dia da mentira, 1º de abril, que a mentira prevaleceu em nome da defesa da ordem, das instituições democráticas, do progresso, dos valores morais e da família. Sonhos de liberdade e justiça foram mortos e destruídos pelos maiores “ordeiros” do pais, os milicos, que apoiados pelo governo de Washington governaram durante 21 anos e trataram de travar a luta por uma sociedade justa e igualitária. Dilma abra os arquivos da ditadura!
E a democracia brasileira é sinônimo de ordem? Não! Vamos nos organizar, pois me organizando eu posso desorganizar. Desorganizar o quê? O mundo das desigualdades, das injustiças, da corrupção, do descaso com a pobreza, do machismo, do racismo... Querem punir os que lutam contra a lei anti-terror, os que labutam contra o Estado repressor, querem impor um tal “Bolsa estupro”, e a lei anti greve. Esse é o caminho da “ordem” do congresso nacional.
Vamos, usemos nossas palavras...
Somos todos iguais braços dados ou não... (Geraldo Vandré)
Somos os filhos da revolução...(Renato Russo)
Ninguém respeita a constituição... (Legião Urbana)
Não é nossa culpa... (Plebe Rude)
Como tanta riqueza por ai onde é que está cadê sua fração? (Plebe Rude)
Tente outra vez... (Raul Seixas)
Eu acredito é na rapaziada... (Gonzaguinha)
As palavras nos movem, sejamos realistas “exijamos o impossível”, não há ordem nem progresso no país do futebol. Chegou a hora do governo central definir de que lado está. É de esquerda mesmo? Governa para os trabalhadores? Vai defender a ordem dos ricos?
Enquanto isso, estou me aquecendo. Vou jogar no time dos trabalhadores. Nos encontramos no dia 12 de junho.
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